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Quem já andou por Santa Rosa do Purus; por Porto Walter e a charmosa igrejinha no alto do barranco; por Jordão, com a sensação de ser estrangeiro em lugar de supremacia indígena, já percebeu que, nesses lugares, falar sobre “inflação” tem um sentido estranho. Para não dizer que não tem sentido algum. A não ser que a pessoa, em um lugar desses, queira manter um padrão de vida da distante Capital.
Os números oficiais da “inflação no Acre”, quando são formulados, abarcam poucos núcleos urbanos: Rio Branco, Cruzeiro do Sul, Sena Madureira e, mais recentemente, Assis Brasil, com o trabalho desenvolvido pelo Programa de Educação Tutorial da Faculdade de Economia da Ufac, que monitora alguns produtos.
Não é fácil chegar a um número. É preciso ter profissionais monitorando preços periodicamente. É preciso tabular isso, discutir, analisar. É preciso ter equipe. É preciso ter recursos.
Quem faz isso como missão é o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E o IBGE no Acre não tem fôlego para estar nesses lugares mais distantes onde existem relações econômicas, mas são relações que, na maior parte dos casos, não estão tabuladas, contabilizadas. A vida vai se impondo, independente dos números. Ou, digamos, que os números obedecem a outras lógicas. Portanto, quando se ouvir falar em “inflação no Acre” é preciso ter ciência desse recorte: trata-se de uma inflação restrita a poucos núcleos, geralmente urbanos.
E como estão os números nesses lugares? Há uma certa estabilidade, embora com tendência de alta. Na Capital, subiu 0,55% em abril, superior à inflação registrada em março, quando pontuou em 0,27%.
O que mais contribuiu para essa pequena alta? De acordo com o IBGE, Saúde e cuidados pessoais (alta de 1,10%), seguidos de Transportes (alta de 1,01%). Alimentação e bebidas mantiveram estabilidade com alta de 0,01%. Interessante perceber esses dois fatores que mais pressionaram a inflação no Acre.
“Saúde e cuidados pessoais”, por exemplo. Não é intrigante? Em um lugar onde a maior parte das pessoas só têm acesso à saúde por meio do SUS, como é que isso pode ser um fator de carestia? Está contabilizado nesse grupo o gasto com “planos de saúde privada”? Quantos acreanos têm isso?
“Cuidados pessoais”, por exemplo: trata-se normalmente do quê? Pilates? Cabeleireiros? Academia? Manicure? Pedicure? Yoga? Se alguém falar “pilates” para muitos acreanos, vai encontrar no interlocutor uma cara estranha, acompanhada da pergunta: “tu quer dizer ‘pilão’, é?”
E “Transportes”, então! Como seria a estratificação disso? O acreano (para desespero de algumas pessoas que se envergonham daqui) se desloca de um canto a outro usando bicicleta. Mesmo com toda a ignorância que as prefeituras mantêm com os ciclistas, é essa a forma da maioria se transportar. Depois vêm as motocicletas. Então, no quesito “transportes”, existe a contaminação do preço dos combustíveis? Ou também estão inclusos os efeitos da “dinâmica” (ou simplesmente “dina”) na hora de pedir um motorista por aplicativo?
E nunca é demais lembrar: do ponto de vista tributário, o acreano, comparado a cidadãos de outras regiões do país, já tem uma série de benefícios. Caso o tratamento tributário fosse equânime, viver em cidades por aqui seria inviável.
É preciso relativizar muitos dos números que nos são apresentados. Essa é a questão. É preciso relativizar e questionar a formação, a construção desses números. Caso contrário, o acreano passa a adotar referenciais que estão muito longe da Geografia e da Cultura locais. Como seria o IPCA tendo os fatores culturais e geográficos como fundamentos na formação do índice?
Por Ac24horas