Mais da metade dos municípios da Amazônia passou 2024 inteiro em seca 

m setembro, auge do verão na Amazônia, quase todas cidades estavam em algum grau de seca: 759 (98,3%).

Análise da InfoAmazonia, com base em dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, revela que 459 municípios da região (59,5% do total) registraram algum grau de seca de 1º janeiro até 31 de dezembro no ano passado. 

Por Jullie Pereira 

Mais da metade dos municípios da Amazônia Legal esteve sob seca durante todo o ano de 2024. Uma análise exclusiva da InfoAmazonia, baseada nos dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden), sendo responsável por emitir os alertas de desastres naturais para todo o país.), revela que, dos 772 municípios da região, 459 (59,5%) sofreram com o problema climático de 1º de janeiro a 31 de dezembro no ano passado.

Em setembro, auge do verão na Amazônia, quase todas cidades estavam em algum grau de seca: 759 (98,3%). Na época, a reportagem navegou o rio Solimões entre os municípios de Tefé e Uarini, no Amazonas, e acompanhou Ernan Pereira, piloto que apoia organização científica Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, e levou os pesquisadores até as comunidades ribeirinhas impactadas pela falta d’água.

“A gente vive uma realidade [mais surpreendente] a cada ano que se passa, principalmente para quem navega e para as populações ribeirinhas que vivem nessas comunidades, que sofrem bastante com essa estiagem e não estão preparadas”, disse Pereira.

Grandes bancos de areia ocuparam o lugar onde deveria estar o rio, um dos sinais evidentes da falta de chuva. Em menor ou maior intensidade, isso se repetiu em 2024 por toda a região. O Cemaden utiliza uma classificação de acordo com a gravidade da seca (veja os detalhes da metodologia abaixo). Os piores índices são “severa”, “extrema” ou “excepcional”, sendo a última a mais grave de todas. As versões mais “leves” da seca são a “fraca” e a “moderada”.

Um único município da Amazônia chegou ao nível de seca excepcional: Tarauacá, no noroeste do Acre. Segundo os dados do Cemaden, a região estava com limites de precipitação, de água disponível no solo e de saúde da vegetação em seus piores níveis.

“É muito raro ver uma seca excepcional, porque a gente faz uma média dos valores dos índices e, no final, essa média suaviza. A gente pega a chuva, pega o solo, calcula os desvios da normalidade e verifica as classes. Em janeiro [de 2025], a previsão é que a precipitação seja dentro do normal, mas, nessa região de Tarauacá, as chuvas ainda podem ser abaixo do esperado”, explica Ana Paula Cunha, pesquisadora do Cemaden que é responsável por fazer o monitoramento da seca.

Tarauacá está entre os municípios da Amazônia que passaram o ano todo em seca, com variações entre os níveis, mas sem interrupção. Em janeiro, já estava em seca moderada. A partir de junho, severa; em julho, foi para extrema; em agosto, chegou ao nível excepcional. Depois, voltou para o nível extremo até outubro. Em novembro, recuou para seca severa. Mas em dezembro voltou para seca extrema.

Pelo menos uma vez, as cidades sentiram a seca 

Quase todos os municípios amazônicos vivenciaram a versão moderada do problema pelo menos uma vez em 2024: 747 (96,7%). Já a seca severa foi sentida por 486 municípios (63%) e, a extrema, por 74 (9,5%). Em Feijó, no Acre, onde vivem 35 mil pessoas, a população enfrentou, por dez meses, variações de seca entre moderada, severa e extrema.

Cunha afirma que 2024 foi o pior ano para o Brasil em termos de seca: “A vegetação seca, com um solo seco, temperatura alta, baixa umidade. Essas áreas estão mais suscetíveis ao fogo, a propagação dele é mais rápida, a mobilidade também é muito impactada e o abastecimento dos rios leva muito tempo”, explica.


Adolescente deitado na rede às margens de praia que se formou após a seca do rio Solimões. Foto: Jullie Pereira/InfoAmazonia 

Em 2024, o déficit de chuvas foi tão grande que os principais rios da bacia do Amazonas tiveram o menor nível da história. A temperatura média da Terra ultrapassou, pela primeira vez, 1,5°C em relação à época pré-industrial, um marco histórico que os cientistas alertam ser fundamental evitar desde o Acordo de Paris, assinado em 2015.

Segundo Cunha, o país não dispõe de um sistema de gestão de risco específico para a Amazônia, o que compromete a eficácia e a rapidez das respostas. A InfoAmazonia buscou analisar qual deve ser o posicionamento dos novos prefeitos eleitos nas cidades que enfrentaram a seca de 2024, a fim de compreender se há perspectivas de uma gestão mais ágil nos próximos anos.

Assim, o levantamento trouxe os dados do Índice de Convergência Ambiental total (ICAt) do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), que avalia o comprometimento de parlamentares em relação ao meio ambiente, com uma posição favorável ou não às pautas sobre o tema. Das cidades que enfrentam seca severa, extrema ou excepcional, 117 (89%) elegeram prefeitos com índice péssimo, ou seja, pessoas contra a causa ambiental. Os resultados também mostraram que os prefeitos pró-meio ambiente reeleitos passaram por secas mais fracas.


Jacaré morto fica preso em galhos de árvore no rio Solimões seco, em setembro de 2024. Foto: Jullie Pereira/InfoAmazonia 

O cientista político Marcos Woortmann, diretor adjunto do IDS, explica que há uma falta de gestores públicos capacitados para debater, planejar e executar ideias que criem ações a curto prazo contra a seca. Nos últimos dois anos, a população amazônica ficou à mercê de propostas como distribuição de alimentosenvio de brigadistas e drenagem dos rios, sem projetos que realmente reduzissem definitivamente os impactos dos eventos extremos.

Woortmann afirma, ainda, que é necessário um plano de adaptação em nível municipal para cada um deles. “A Constituição, no seu artigo 170, traz o direito ao meio ambiente saudável como um direito previsto naquela Carta Magna. Essas pessoas estão ali fazendo precisamente o contrário, atuando contra a melhor ciência e contra também os saberes tradicionais, porque populações indígenas, populações ribeirinhas, também têm as suas leituras do meio ambiente”, diz.

E 2025? 

climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Cemaden, disse que em 2025 há a previsão de a região sentir os efeitos do La Niña, fenômeno que resfria as águas do oceano Pacífico, mas que ainda não é possível afirmar como ele irá se comportar. “Quando se tem a La Niña, existe uma tendência de seca no Sul e chuvas na Amazônia, mas temos o oceano Atlântico muito quente, que não está favorecendo as chuvas”, diz. O especialista explica que, por isso, a tendência do aumento da temperatura na Amazônia vai continuar.


Urubus invadem praia onde antes havia o rio Solimões, em busca de peixes mortos Foto: Jullie Pereira/ InfoAmazonia 

Até julho do ano passado, um outro fenômeno influenciou o clima na região: o El Niño, fenômeno que gera o aquecimento das águas do oceano Pacífico. No entanto, Marengo explica que a seca que ocorreu na Amazônia não é consequência de um único evento isolado.

“A estação seca está ficando mais quente. Durante o El Niño fica pior, mas não é o El Niño a causa. Isso está sendo comprovado por diferentes pesquisas. Algumas das causas são, por exemplo, a variabilidade interdecadal do Pacífico e as oscilações multidecadal do Atlântico. Mas o pano de fundo é o aquecimento global”, diz.

Esta reportagem foi produzida pela Unidade de Geojornalismo InfoAmazonia, com o apoio do Instituto Serrapilheira.

Texto: Jullie Pereira

Análise de dados: Renata Hirota

Visualização de dados: Carolina Passos

Edição: Carolina Dantas

Coordenação de dados: Thays Lavor

Direção editorial: Juliana Mori

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