No coração da floresta amazônica, entre os rios Tarauacá, Envira e Muru, um projeto voltado à conservação ambiental e ao mercado de carbono tem revelado preciosidades da biodiversidade acreana.
Através do monitoramento por armadilhas fotográficas e expedições de campo, pesquisadores registraram mais de 45 espécies de mamíferos, 376 espécies de aves e uma série de descobertas inéditas. Entre elas, a pacarana (Dinomys branickii) – um roedor raro e com hábitos ainda pouco conhecidos.
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O Projeto Rio Muru protege mais de 40 mil hectares de floresta — Foto: Projeto Rio Muru
Os levantamentos são parte do projeto REDD+ Rio Muru, que protege mais de 40 mil hectares de floresta, sendo 10 mil hectares na Fazenda Seringal Ouro Preto, em Tarauacá, e 30 mil na Fazenda Seringal Guajará, em Feijó.
A iniciativa une conservação da biodiversidade à geração de créditos de carbono, em parceria com a Associação Onçafari.
O gigante discreto dos roedores
A pacarana é o terceiro maior roedor do mundo, atrás apenas da capivara e do castor. Com até 15 kg, ela é a última representante de um grupo de roedores pré-históricos que chegou a incluir espécies do tamanho de búfalos. Os registros da espécie em território brasileiro são escassos e, até hoje, concentrados no Acre e oeste do Amazonas.
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A pacarana é o terceiro maior roedor do mundo, atrás apenas da capivara e do castor — Foto: Projeto Rio Muru
As câmeras do projeto captaram imagens de um grupo de quatro pacaranas juntas em um barreiro – locais ricos em sais minerais usados pelos animais para complementar a dieta.
“A presença de vários indivíduos simultaneamente mostra que elas são sociais. Poucos estudos haviam documentado esse comportamento. Podem ser grupos familiares ou de amigos, brincando um pouco”, comenta Fábio Olmos, ornitólogo e diretor científico da empresa que desenvolve o projeto.
A descoberta é especialmente relevante para a conservação da espécie, que costuma habitar áreas remotas e impactadas pela caça e desmatamento. A propriedade onde as pacaranas foram registradas funciona, na prática, como uma área protegida conectada a blocos de floresta contínua que se estendem até o Peru.
Os micos-brancos e seus parceiros bigodudos
Outro destaque foi a ampliação da área conhecida de ocorrência do sagui-de-manto-branco (Leontocebus melanoleucus), um pequeno primata encontrado quase exclusivamente no Acre.
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Outro destaque do Projeto Rio Muru foi a ampliação da área conhecida de ocorrência do sagui-de-manto-branco (Leontocebus melanoleucus), um pequeno primata encontrado quase exclusivamente no Acre — Foto: Projeto Rio Muru
Antes, acreditava-se que ele habitava apenas a faixa entre os rios Juruá e Tarauacá. Agora, o mico-branco também foi registrado entre os rios Tarauacá e Envira, o que altera significativamente os mapas de distribuição da espécie.
A descoberta traz novas perspectivas para a conservação desses animais, uma vez que a área do projeto oferece refúgio em terras privadas voltadas à proteção ambiental – um contraste com as áreas públicas destinadas à exploração madeireira ou ameaçadas por desmatamento e caça.
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Antes, acreditava-se o sagui-de-manto-branco habitava apenas a faixa entre os rios Juruá e Tarauacá, mas agora a espécie foi registrada entre os rios Tarauacá e Envira — Foto: Projeto Rio Muru
Os micos-brancos também foram vistos em convivência com os saguis-imperadores (Saguinus imperator), conhecidos localmente como “bigodeiros”.
“Eles sempre andam juntos. Os bigodeiros são mais reservados, os brancos mais curiosos. É uma convivência pacífica, com cada espécie mantendo suas características”, explica Olmos.
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Os saguis-imperadores (Saguinus imperator), conhecidos localmente como “bigodeiros”, também foram registrados na Fazenda Seringal Guajará, em Feijó — Foto: Projeto Rio Muru
Segundo Gabriel Caram, analista de projetos e descobridor dos saguis-de-manto-branco, o monitoramento contínuo, desde o início do projeto, trouxe informações científicas valiosas sobre a biodiversidade de uma região subamostrada da Amazônia.
“Isso reforça que projetos de carbono florestal geram benefícios que vão muito além das emissões evitadas de gases de efeito estufa”, completa Caram.
O dançador que ninguém tinha visto
Entre as 376 espécies de aves já registradas pelo projeto, um pequeno e discreto pássaro roubou a cena: o dançador-de-cauda-graduada (Ceratopipra chloromeros).
Embora existam registros históricos da espécie em áreas próximas à fronteira com o Peru e Bolívia, essa foi a primeira vez que o dançador foi fotografado em território brasileiro.
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Embora existam registros históricos do dançador-de-cauda-graduada em áreas próximas à fronteira com o Peru e Bolívia, essa foi a primeira vez que a espécie foi fotografada em território brasileiro — Foto: Projeto Rio Muru
“Quando localizei um indivíduo, consegui as fotos e enviei para o grupo da empresa, a equipe toda vibrou. Foi uma conquista aguardada, mas que ainda assim nos pegou de surpresa”, relembra o ornitólogo.
O registro coloca o centro do Acre na rota de observação da espécie, reforçando o potencial da região para o ecoturismo voltado à avifauna.
Grandes predadores e ecossistemas saudáveis
Além das espécies raras e pequenas, as armadilhas fotográficas também revelaram a presença de grandes predadores como onça-pintada (Panthera onca), maracajá-grande (Leopardus wiedii), cachorro-do-mato-de-orelha-curta (Atelocynus microtis), harpia (Harpia harpyja) e uiraçu (Morphnus guianensis).
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Além das espécies raras e pequenas, as armadilhas fotográficas também revelaram a presença de grandes predadores como onça-pintada (Panthera onca) — Foto: Projeto Rio Muru
A presença desses animais, segundo Olmos, é um forte indicador da saúde do ecossistema.
“São espécies no topo da cadeia alimentar e precisam de áreas extensas e ricas em presas. Encontrá-las próximas à base do projeto mostra que a floresta ainda mantém suas funções ecológicas essenciais”.
Espécies como queixadas, antas, macacos-aranha e barrigudos, todos considerados engenheiros ecológicos por influenciarem diretamente o ambiente ao seu redor, também foram documentadas.
“O Onçafari está presente em 16 bases no Brasil, mas que o que encontramos até agora nessa região do Acre é espetacular”, ressalta Mario Haberfeld, fundador da ONG.
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Espécies como queixadas, antas, macacos-aranha e barrigudos, todos considerados engenheiros ecológicos por influenciarem diretamente o ambiente ao seu redor, também foram documentadas — Foto: Projeto Rio Muru
Uma floresta viva e cheia de possibilidades
Para Fábio Olmos, os achados do projeto são apenas o começo. “Estamos apenas ‘arranhando’ a superfície do que essa floresta guarda. A tendência é que mais surpresas surjam conforme os estudos avançam”.
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O nome do tamanduá-seda de Thomas (Cyclopes thomasi) foi dado em homenagem a Oldfield Thomas, naturalista britânico que contribuiu para o conhecimento sobre esse animal no passado — Foto: Projeto Rio Muru
Alexandre Bossi, diretor da empresa que desenvolve o projeto de carbono, explica que o objetivo é mostrar para o setor privado que é possível investir na conservação da natureza com retorno atraente, de maneira sustentável e ainda modificando para o bem a Bioeconomia da região.
Além da pesquisa, o grupo trabalha para atrair cientistas e observadores de fauna interessados em conhecer a região.
“Queremos promover o turismo de natureza aqui também. A biodiversidade do Acre ainda é pouco conhecida, mas tem um potencial imenso”, conclui Olmos.
G1