Novo tipo de ave recém-descoberta na Amazônia é batizado com o nome de Chico Mendes

Frágil e discreto, o poaieiro-de-Chico-Mendes vive em regiões de vegetação pobre e de poucas árvores, a chamada campinarana, ambiente de solo branco e arenoso.

Assassinado há 37 anos, em dezembro de 1988, em Xapuri, interior do Acre, o sindicalista Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, terá seu nome dado por estudiosos da área a uma pequena ave até há pouco tempo desconhecida. Trata-se do poaieiro-de-Chico-Mendes, uma ave frágil, discreta e que vive em pequenas capoeiras da Amazônia. Cientificamente batizado de Zimmerius chicomendesi, o poaieiro-de-Chico-Mendes foi fotografado em uma área do interflúvio Madeira-Tapajós. O achado foi registrado em 2013.

O ornitólogo Glauko Corrêa, que atua como guia de observação de aves na região amazônica, diz que a espécie é endêmica da Amazônia e conhecida apenas em uma pequena área na porção centro-sul da Amazônia brasileira. “Esta área de distribuição está situada entre os rios Rio Madeira (margem direita) até a margem esquerda do sistema de rios Aripuanã/Roosevelt/Madeirinha, compreendendo parte do estado do Amazonas, Rondônia e possivelmente Mato Grosso. Atualmente, os limites de sua distribuição ainda são mal compreendidos e requerem mais estudos, sendo que há um curioso registro pontual situado na margem direita do rio Aripuanã, em Apuí”, diz Glauko.

O poaieiro-de-Chico-Mendes vive em um tipo de vegetação rara e frágil chamada campinarana – ambiente de solo branco, arenoso e pobre em nutrientes, onde a floresta é baixa. Pequeno, discreto e bastante seletivo quanto ao seu lar, o poaieiro vive em um tipo de vegetação rara, floresta que tem árvores tortuosas e espaçadas. É justamente aí que a espécie encontra abrigo, alimento e condições para sobreviver.

Outro ornitólogo que conduz observadores nessa área é Kenny Uéslei. Ele explica que a área de ocorrência do poaieiro-de-Chico-Mendes é bem restrita. “Já vi o poaieiro até em áreas de floresta próximas, mas sempre em regiões de transição com a campinarana”, explica Kenny.

O poaieiro-de-Chico-Mendes vive em regiões de vegetação pobre e de poucas árvores/Foto: Reprodução

O poaieiro-de-Chico-Mendes foi detectado pela primeira vez em agosto de 2009, pelo ornitólogo Bret Whitney, que registrou sua vocalização. Dois anos depois, em 2011, o pesquisador Fábio Schunck realizou a coleta científica de exemplares em diferentes pontos ao longo da rodovia Transamazônica (BR-230), no município de Humaitá, no sul do Amazonas.

Esses registros foram fundamentais para a identificação e o estudo do material-testemunho da espécie. A formalização e divulgação científica da nova ave ocorreram em 2013, em um volume especial da obra Handbook of the Birds of the World. “O reconhecimento de uma nova espécie não acontece de forma imediata. É um processo que envolve análise minuciosa das vocalizações, comparação com espécimes já conhecidos e estudo de características morfológicas e comportamentais”, explica Glauko Corrêa.

Além de seu valor científico, a espécie carrega um forte simbolismo em seu nome. Ela foi batizada em homenagem ao líder seringueiro Chico Mendes, reconhecido mundialmente por sua luta em defesa da Amazônia e dos povos da floresta.

“A escolha do nome não foi apenas uma homenagem. É um lembrete do legado de Chico Mendes e da urgência em preservar a floresta e suas espécies, muitas das quais sequer conhecemos ainda”, afirma Glauko.

Novo tipo de ave recém-descoberta na Amazônia é batizado com o nome de Chico Mendes/Foto: ContilNet

O poaieiro-de-Chico-Mendes tem uma alimentação quase exclusivamente frugívora, com preferência pelos frutos da erva-de-passarinho (Oryctanthus alveolatus), distribuídos ao longo da campina. Esse comportamento foi confirmado por observações de campo. “Já observei ele comendo essas frutinhas e depois regurgitando as sementes. Apesar de alguns restos de insetos terem sido encontrados em estômagos analisados, tudo indica que eles são ingeridos acidentalmente”, conta Kenny Uéslei.

Esse padrão o diferencia de outros poaieiros – como o Zimmerius villarejoi, encontrado no Peru – que capturam ativamente pequenos artrópodes em voos curtos. No caso do Z. chicomendesi, o comportamento é mais contido: ele forrageia silenciosamente entre os galhos e, quando vocaliza, emite sons tão sutis que é necessário ter o ouvido muito treinado para localizá-lo.

Outro traço marcante está na vocalização. Embora a espécie seja discreta, quando canta, seu som se distingue claramente dos outros Zimmerius encontrados na região. “Ele é menor que o poaieiro-de-pata-fina (Zimmerius gracilipes), que também ocorre aqui na Amazônia, e a vocalização é a característica mais fácil para diferenciá-lo, já que é bem distinta”, explica Kenny.

Além do canto e do tamanho, estudos morfológicos indicam também um dimorfismo sexual acentuado: os machos são consideravelmente maiores que as fêmeas – algo incomum entre aves do mesmo grupo.

Apesar de sua recente descoberta, o poaieiro-de-Chico-Mendes já figura como quase ameaçado na lista internacional da IUCN (União Internacional para Conservação da Natureza). Isso se deve à sua alta dependência das campinaranas, um tipo de ambiente que está sendo destruído em ritmo acelerado.

“Infelizmente, áreas que antes eram negligenciadas, por acumularem água e serem de solo pobre, agora estão sendo drenadas para o plantio de soja”, alerta Kenny. “Já vi locais onde ele era comum serem totalmente desmatados. E tem ainda o fogo, que é devastador. A campinarana leva muitos anos para se regenerar. Cheguei a voltar a uma área onde o poaieiro era sempre observado e estava tudo queimado”, completa.

Glauko também chama atenção para a proximidade das áreas de campina com a rodovia Transamazônica e os riscos associados à sua expansão. “Essas campinas são extremamente frágeis. A abertura de novos trechos ou o aumento do tráfego na rodovia podem facilitar atividades como extração de areia, exploração madeireira, avanço da agricultura e formação de pastagens”, alerta.

A descoberta do poaieiro-de-Chico-Mendes não é só o registro de uma nova espécie, mas também um alerta. Ela mostra como a Amazônia ainda guarda segredos e como a destruição de habitats específicos pode levar à extinção de espécies antes mesmo que sejam totalmente compreendidas. “Se a campinarana desaparecer, o poaieiro também desaparece”, resume Kenny, que reforça sobre a urgência de proteger essas ilhas de biodiversidade no meio da floresta.

Enquanto isso, a missão dos ornitólogos Kenny Uéslei e Glauko Corrêa continua: guiar olhos atentos pelas trilhas de areia branca na esperança de mais um encontro com essa joia da Amazônia.

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